sábado, 16 de fevereiro de 2013

Menos um apaixonado

Outro dia escrevi que o futebol estava sem graça. Vejo o esporte bretão como um quadro que outrora já fora uma obra de arte e hoje está feio, desafeiçoado, sem sentido. Falo de cátedra, como um apaixonado meio bobo que compra camisa, vai aos estádios, é sócio do time, acompanha, vibra, torce, apoia. Vou pro alambrado pra tentar ficar mais perto da bola. Compro jornais só pela página de esportes, e vou direto a ela para ver as notícias do meu time. Pela escassez de tempo, muitas vezes nem leio sobre política ou cultura. É assim desde 1988, quando fui pela primeira vez ao Eládio de Barros Carvalho levado pelo meu querido pai, alvirrubro fiel de quem herdei esse verdadeiro fetiche. Enfim, amo o vermelho e branco de uma forma incondicional e inexplicável. Já viajei pra ver o Timbu de Rosa e Silva ao Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte, Santa Cruz do Capibaribe. Em alguns desses lugares mal andei nas cidades. Era aeroporto-hotel-estádio. É uma coisa que não tem medida, não tem explicação, nem nunca terá, não há justificativas pra isso.

Hoje foi um sábado, dia de jogo. Tinha tudo para ser um jogo como outro, como tantos outros Náutico x Central que já fui na vida. Por baixo, pelos meus cálculos, já fui a uns vinte. Marquei com os amigos, tirei a camisa da gaveta e saí de casa certo que iria descontrair, dar boas risadas, festejar. Sou de um tempo em que futebol era diversão, que estádio era local de fazer amigos, seja alvirrubro, seja rival. Mas rival de que, afinal?! Rivais porque tem que ter alguém do outro lado durante 90 minutos. Nesse tempo deixamos de ser amigos e passamos a ser colegas. E só. Depois voltamos a ser amigos.

Eram 18:40 e eu estava na padaria que fica em frente ao estádio, ponto de encontro onde sempre vou. De repente saltam de um ônibus, sem qualquer motivo aparente, homens vestidos de preto, armados com cacetetes e armas de fogo e uma batalha começa sem que eu entendesse nada daquilo. Talvez por trinta segundos (ou menos), não fui atingido. Por um momento fiquei atônito, sem saber o que estava acontecendo. Depois recebi a notícia que se tratava de um ônibus onde estavam integrantes de uma torcida organizada do Sport que passava em frente naquele instante. Gritos. Correria. Tiros. Um corpo estendido no chão. Sangue.

Começam a caça e as bruxas são sempre as mesmas.
A Polícia Militar tem culpa? O efetivo era suficiente para garantir a segurança dos 9.000 torcedores no jogo do Náutico?!
A Polícia Civil tem culpa? Homens armados fazendo a segurança particular, como as várias espécies de milícia (e, até onde eu sei, "constituir milícia particular com a finalidade de praticar crimes", é uma conduta tipificada no Código Penal, em seu art. 288-A, cuja pena é de reclusão de 4 a 8 anos) que hoje existe de maneira tolerada e comum em Recife. Verdadeiros esquadrões de organização paramilitar, que agem à revelia dessa autoridade.
A Federação Pernambucana tem culpa? Esse jogo seria amanhã, mas foi transferido pra hoje e ficou um vazio de uma hora entre o término do jogo na Ilha do Retiro e o início do jogo nos Aflitos, tempo suficiente para o encontro das duas gangues.

Torcida organizada tem que acabar. Não me venha com argumentos que fazem uma festa bonita, que animam, blá, blá, blá. Isso é uma ilação que satisfaz a poucos em detrimento da paz pública de todos, bem jurídico dos mais importantes. É muito problema pra apenas 90 minutos (e às vezes nem isso) de alegria. É como um aluno que sempre atrapalha, compromete toda a sala e só tira notas baixas, mas na hora do recreio diverte a todos. Isso é incoerente e a permanência desses vândalos é insustentável e inconsequente.

O Sport empatou e foi eliminado da Copa do Nordeste. O Náutico perdeu o jogo. Lucas teve perto de perder a vida aos 19 anos. Eu perdi o gosto de ir a campo e vou rever seriamente se continuarei a me arriscar em levar um tiro na entrada - ou, como já aconteceu, cair um refletor na minha cabeça, ou cair no fosso - e também morrer. Isso tudo se passou aqui em Pernambuco, nos três maiores estádios. Poderia ser eu e esse texto sequer estaria aqui agora. Poderia ser você que, mesmo sem ir à estádios, passava na Av. Rosa e Silva naquele fatídico instante. Mas, quando uma vida é ameaçada assim, o tempo passa e em poucos dias o sofrimento da família é o único herdeiro desse espólio chamado "Tragédias do Futebol". Mais uma triste página desse livro difícil de ler e, por muito pouco, seria menos uma vida. Mais um inconformado. Menos um apaixonado.

4 comentários:

  1. Concordo com tudo o que foi escrito.
    Lastimável.

    Fernando Paulino
    Torcedor do Sport

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  2. Concordo com tudo o que foi escrito.
    Lastimável.
    [2]

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  3. Super verdadeiro e bem escrito esse texto. Parabéns Rafa Fonseca!!
    Que esse seu inconformismo, como o de tantos outros como eu, que não vou a estádios e nem tenho time do coração mas sou mãe que quer ter seus filhos vivos e felizes, não fique apenas no papel.
    Vamos espalhar o seu apelo para que providências sejam tomadas e fatos como estes não voltem a acontecer em qualquer cidade do nosso país.

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  4. concordo com voce. Adoro seus textos, todos. Fala mtooooo bem.

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