quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Como se escreve saudade no aumentativo?

E, se em uma noite que parecia ser como outra, os astros se riem pra você e resolvem aprontar?! Daí você recebe uma mensagem subliminar como um sinal, se levanta da cama, põe não só uma roupa, mas a melhor roupa e se olha no espelho. Se perfuma, amarra os cadarços e novamente se olha no espelho. É, tá bom. Despretensiosamente sai e, sem sequer saber que tudo já estava escrito, você sente como se realmente aquilo fosse um dia acontecer, daquela forma, e começa tudo.

Ela saía de casa e também não sabia de nada disso. Aliás, saía de tão longe que, digamos, seria até mais improvável que a essa distância ele pudesse estar sabendo de alguma coisa. Por que será que não entendem que as milhas nada significam quando algo está escrito?! Mas ninguém também sabia. Em tom bem brasileiro, aquela noite nascia urgentemente delicada. Tivesse uma trilha seria uma valsa vienense, ou uma bossa de Vinícius, em pouco volume e muita beleza. Também se arrumou, se olhou. Perfumou-se e tornou a se olhar. Estava pronta.

Quis soberanamente que eles se olhassem e se conhecessem. Ele olhou pra ela e, em algum lugar onde tudo estava sendo visto, o estrondo foi grande. Ela sorriu. Ou o inverso. Sim, aquele sorriso, por si só, era capaz disso. Como se ali todas as estrelas sorrissem satisfeitas do dever cumprido, testemunhavam com o privilégio de não serem notadas, mas como se sorrissem aquele sorriso fechado para um só lado da boca. Ah, ela não saberia quantas noites esperavam por aquela. Ninguém sabia. Como também não dava pra saber que a mesma despretensão daquele momento, seria a mesma de uma semana depois, onde tudo convergiu e, novamente, houve festa em um lugar muito distante, acho que em outra galáxia. Dá pra acreditar em festa em outro lugar, quando acontece alguma coisa aqui?! Dá pra imaginar uma plateia para esse nosso teatro diário, nem sempre triste e nem sempre feliz?! Dá pra sonhar alguém sorrindo e mostrando a ele quase que com um holofote que ela estava bem ali, numa escada, de lado, parada?! Entre sem-graças, pessoas comuns?! Pois é. Naquela noite a festa foi maior. Acho que teve champanhe!

No outro dia ela o ganhou. E, sem saber, o ganhou por completo. Com a delicadeza de um ato que não se sabe a origem. Talvez a grandeza da delicadeza de Gandhi, talvez da pureza de São Francisco. Mas acho que diante daquela história que começava a se rabiscar, delicado era pensar como nos olhares do final de um filme, seja do que for. Pode um momento perdurar por todo o sempre?!

Ele sorriu. Andaram juntos, foram à França juntos (tão perto Monttpelier!), dançaram, cantaram, sentiram saudade. Viram um filme (sem até nem saber que já eram protagonistas de um tão bonito que estava a começar!). Naquele, como em um sonho, um lindo sonho tão bonito e tão infinito, deram-se as mãos.

Pra mim é tão real escrever isso, que chego a sentir novamente com a mesma intensidade daquele momento que foi vivido. Grande amores estão em nós e, de uma hora pra outra, ela estava ali. E podem morar a milhas de distância, ou até estar nesse momento a mais de 2.000 km esperando pra ler essas palavras. Mas o fato é que diante do que se sente e da intensidade do que se sente, a distância é tão pequena, as dúvidas de mudas até silenciam e os medos reconhecem a grandeza dessas coisas que ninguém imagina que pode acontecer depois de uma noite de quinta-feira. É quando ele olha o travesseiro e sabe que alguém também deita na mesma hora, tão longe dali. E rasga mais uma folha do calendário, e faz planos. E chora de saudade, mas sabe que as horas correm a seu favor para fazer aquele dia mais próximo. E volta a sonhar, volta a sonhar.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Repara se já viu poesia como esta?!

Hoje fui tomado por um saudosismo sem tamanho. Sempre pensei que a idade não fosse passar e que envelhecer era um evento mais psicológico do que físico. Não mudei de conceito, mas hoje percebo a saudade deitar no meu peito como se tivesse um sono pesado e interminável. Começo a vislumbrar os fatos passados com menor acuidade e alguns acontecimentos ficam como um alguém que acena do cais e eu vou partindo, em um navio que precisa atracar em outros portos.

Se fatiar a vida em pedaços pode ser bom, pra mim hoje foi melancólico, como o olhar fixo nas nuvens cinzentas de uma tarde chuvosa. Dos lugares por onde andei e de tudo que meu olhos puderam contemplar. Tem registros que foram feitos apenas pela mente, máquina digital e câmeras no celular são pontualmente tão recentes! Pessoas inteligentes me fazem falta. Receber ligações no meio da noite de quem menos se espera faz falta. Pegar uma muda de roupa e a escova de dente, entrar num ônibus e viajar pra encontrar alguém faz falta. Não sentir o peso de tanta responsabilidade que eu mesmo me acrescento todo dia faz uma falta danada. E era sobre isso que eu queria falar.

Certa vez conheci uma senhorinha que distribuía flores. Hoje vejo que este é um ofício que não é pra todos. Por mais que se esgotem campanhas de gentileza, que os poetas se esforcem pra disseminá-la e que todo dia fosse 31 de dezembro, não sei se alguém pode fazer melhor aquilo na terra do que aquela mulher. Aquela flor vinha acompanhada de candura, o jeito como ela pegava para entregar e a singeleza e simplicidade daquele ato tornava aquilo gigante, grande demais pra qualquer ser vivente!

Me senti saudoso hoje porque não é simples pensar que as próximas primaveras podem não ser tão boas quanto as últimas. E se forem?! E se não forem?! E se as pessoas que cruzarem meu caminho não forem tão interessantes quanto aquelas que ficaram nele? E se, se, se...

A Adélia Prado é fantástica. Ela fala e eu entendo, sempre. Queria poder dizer isso a ela algum dia. Mas queria dizer sutilmente, da mesma forma como ela fala e eu a entendo. É uma poesia com cheiro, com gosto, com tudo que eu tô sentindo agora. Tem um livro dela chamado "Filandras", que é assim. Tem um trecho que faço questão que você leia:

"(...) Contra céu azul e cheiro de mato verde Deus regia o planeta. Estava muito surpresa com a perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecida por estar vivendo. Foi quando teve o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam mais o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este! Para isto vale nascer." (Extraído do livro "Filandras", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 119.)

 Leio Adélia Prado e volto a sonhar. Venham cá! Reparem se já viu poesia como esta?!