segunda-feira, 16 de julho de 2012

O homem da terra e o coração do marinheiro

Tem coisas que eu falo e pouca gente entende. Eu acho isso bom. Acho bom que aquilo que eu fale não seja escutado por todos e aqui eu troco o entender pelo escutar, como uma forma de fazer você começar a ouvir o que eu escrevo, e não apenas ler. Isso é pensar poeticamente. A poesia tem música, por isso rimas soam como melodia. É mais ou menos assim: você lê (perdão, você ouve!), aquilo de alguma forma mexe com algo que você tem contido e pronto.

Relendo uns livros que ganhei de presente, me peguei encantado por Jorge Amado. Que baianinho danado! Muitos gostam de vê-lo na TV, nas minisséries televisivas, que tem lá os seus méritos. Eu prefiro degusta-lo lendo suas palavras, mexe mais com minha imaginação. Ele sabe como ninguém usar os recursos de repetir termos e frases no intuito de criar rápidos fluxos de consciência e, literalmente, conversar com o leitor sem se dirigir diretamente a ele. Essas repetições podem causar humor, mas na sua maioria reforçam o caráter trágico dos destinos navegantes, à mercê dos humores de Iemanjá, a mulher de cinco nomes, que pelo seu capricho pode leva-los ao fundo do mar. Acho difícil, por melhores que sejam os atores, haver melhor teatro que a nossa fértil imaginação. Sim, mas voltando à poesia. Tudo que era escrito por Jorge Amado e musicado por Dorival Caymmi ganhava ares de festa. E, por isso, só depois vim descobrir que "É doce morrer no mar" veio da história de Guma e sua amada Lívia contada com todos os reveses da vida praiana - onde o pescador começa a descobrir quando é a vez do mar. "Mar Morto" é encantador! Jorge Amado é encantador!

E foi lendo-o que me deparei com uma frase intrigante, no meio de um posfácio aparentemente ingênuo. "Vinde ouvir essas histórias e essas canções. Vinde ouvir a história de Guma e de Lívia que é a história da vida e do amor no mar. E se ela não vos parecer bela, a culpa não é dos homens rudes que a narram. É que a ouvistes da boca de um homem da terra, e, dificilmente, um homem da terra entende o coração dos marinheiros. Mesmo quando esse homem ama essas histórias e essas canções e vai às festas de dona Janaína, mesmo assim ele não conhece todos os segredos do mar. Pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem."

Sempre me perguntam de onde vem isso que faz meu pulso disparar pela arte, pela música, e pelos segredos que dessas coisas decorrem. Eu juro que não sei explicar! E talvez nem você conseguisse também entender, como até já falei.

O certo é que a vida é assim. A vida tem segredos, como o mar tem os seus. E os mistérios que nem os velhos marinheiros entendem também são assim. Se a poesia imita a vida, Jorge Amado é o mais autêntico dos marinheiros, por isso navegar nesses mares é tão bom. Porque dificilmente um homem da terra entende o coração dos marinheiros.