quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um poeta e o mar de livros

“Carobene tinha razão: ali, de fato, era outra coisa. O calor estava violento também em Augusta mas, sem a reverberação dos muros, provocava não mais uma prostração bestial, mas uma espécie de leve euforia. O sol, perdida sua garra de algoz, limitava-se a ser um risonho doador de energia, apesar de violento. E também um feiticeiro que emoldurava diamantes instáveis em cada uma das leves ondas do mar. O estudo não era mais fadiga. Ao embalo ligeiro do barco onde permanecia longas horas, cada livro não me parecia mais um obstáculo a superar, mas a chave que abriria a passagem para um mundo cujos aspectos mais fascinantes estavam diante dos meus olhos. Frequentemente ocorria-me recitar em voz alta versos de poetas e os nomes dos deuses esquecidos, que quase ninguém conhecia, e que roçavam outra vez a superfície daquele mar que, antigamente, ao ouvi-los, levantava-se em tumulto ou aplacava-se em bonança.”

(Giuseppe Tomasi Di Lampedusa, em "A Sereia".)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Gestos tão pequenos, coisas fáceis!

É tempo de festejar, de se alegrar! Uma ligação - que podia me trazer uma notícia qualquer, como tantas que recebo durante o dia todo - me deu a notícia direto de São Paulo que o meu amigo Xyko Oliveira recebeu alta e foi pra casa, esbanjando energia. Como um valente volta de uma guerra, ou um atleta volta vencedor.

Hoje, como num lampejo de uma descoberta, me dei conta que tenho saúde, oportunidades e sonhos, e que de poucas coisas a vida me privou. Isso pode soar poético, mas quero que seja o mais real possível. Deus não é apenas bom, porque se só o fosse eu teria apenas o suficiente. Mas é além disso, tenho o que preciso e mais, mais até do que mereço. A paz vem, acalma e não se sabe o motivo. A vida tem dessas coisas, e já experimentei de muita coisa assim, mas tenho apenas dez insuficientes dedos nas mãos pra conta-las todas. Um rim pode ser útil, mas não imprescindível como o coração, por exemplo. Tenho amigos que não são rins, mas corações. Alguns até já perdi, e a vida parou até de bater um pouco, mas - como tinha que ser - segue seu rumo. O corpo acaba experimentando sensações e você sente que aqueles 'corações' que se foram, na verdade continuam a bater, e a bater forte. Só mudaram de lugar, estão agora no meu.

O Xyko mesmo com pouco tempo (e sem saber!) me ensinou com sua vida, e tenho um carinho especial por quem me ensina alguma coisa. E melhores são as coisas simples, vindas dos gestos simples. Quantas pessoas se privam de fazer o bem com uma palavra doce, um gesto de afeto, tantas maneiras afáveis existem! Mas não se espera isso de todos, é preciso ter pra dar. Não se tira de um poço a água que ele não tem. A dureza no coração só faz privar de coisas boas quem a tem. É um bumerangue às avessas.

Mas ele fritou um peixe pra mim, numa fria noite em Curitiba e ali me mostrou as mãos, nuas de esconderijos. Como num verso de Leminski. Como num gesto sem segredos.

"ler se lê nos dedos
não nos olhos
que olhos são mais dados
a segredos"
(Paulo Leminski, "Toda Poesia", Cia. das Letras)

O Xyko é gente rara, e por muito tempo ainda o será.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Pronto pro imprevisível


Apesar de nascer com algumas certezas, vivi anos aqui pensando muito, olhando pra dentro de mim mesmo. Ouvi muitos silêncios (e como tem-se silêncios por aqui!). O silêncio do sol forte, todo dia, de milhares que saem pra trabalhar, de tantos que não desistem nunca. Por isso acho que dizem que o nordestino é uma gente forte. Alíás, sou canceriano, nordestino e ainda consigo me encantar com as pequenas coisas da vida. Ou seja, um bobo quase que por completo! O encanto de novos amigos, de uma nova ideia, de um velho livro que nunca foi lido, da surpresa de uma criança.

Queria falar sobre coisas novas e coisas antigas. De surpresas e de certezas. Melhor do que fazer novos amigos ou se rir com os velhos, é se abrir ao novo e ainda se surpreender fazendo novo cada encontro com os velhos. É preciso estar distraído e pronto pro imprevisível! Veja só, sempre falam de sorte, posso até dizer que tenho sorte, e acho mesmo que ela existe e sempre me encontra a sua espera. Eu conto com a sorte como conto a vida, acho intrigante pensar assim. Se desvencilhar dos mesmos caminhos, dos velhos moldes, das mesmas velhas formas prontas de sucesso, da velha opinião formada sobre tudo.

Um novo mundo se abre a cada dia, a cada manhã. E despertar embriagado em tempos de pessoas sedentas depende mais das respostas que me dou do que das perguntas que me fazem. Depende de mim. Eu tava com saudade de deixar essas pegadas com o rafadesapatonovo, tava mesmo. Não fossem os estímulos e os incentivos que recebo, até em forma de provocação, talvez eu pisasse até menos aqui. Esse blog conta os melhores anos da minha vida. Conta o dia em que conheci até o dia que eu perdi amigos. Conta como e quando começaram vidas e quando o silêncio foi maior do que elas. Me encontro refeito, em pé e incólume mais uma vez. Voltar aqui me faz bem, muito bem.