sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Quando não houve bucha de canhão

Hoje me peguei completando um desses cadastros que estamos a preencher em cada lugar ou site por onde passamos. Na profissão fiquei em dúvida. Melhor, tive duas certezas - o que também não deixa de ser uma dúvida. Lembrei-me na hora de um amigo que me achava um professor que advogava, e não um advogado que ensinava. Concordei. Gostamos de ser chamado por aquilo que mais gostamos de fazer. Damas que passam uma, duas ou às vezes até mais horas a se arrumar merecem ser elogiadas. Um jardineiro que dedica dias da sua vida a um jardim merece ser elogiado e, nesse caso, em dobro. Pessoas que nos fazem bem pelo simples fato de ocuparem nosso pensamento merecem elogios.

Sim, mas o que gosto mesmo é de ensinar. Gosto de receber e-mails de alunos gratos por terem conseguido 'fechar' uma prova que passaram tempos a se preparar e que lograram êxito. Fico feliz da vida por ter-lhes entregue algumas horas e dias da minha companhia! Quando dividem isso comigo me sinto tão vitorioso quanto eles, acho que cumpri meu papel aqui na Terra. Me apetece ver alunos ocupando funções públicas e as fazendo dando o melhor de si, alimentando suas famílias, sustentando seus lares, educando seus filhos. É um trófeu que meu sorriso ergue, uma recompensa que não é pecuniária e nem tampouco faz cessar as minhas necessidades vitais que meu corpo fadado aos prazeres clama. Mas me faz feliz por completo! Você não imagina o carnaval que fica dentro de mim ao caminhar no Fórum, ou dirigir meu carro no trânsito, ou ir às repartições e ouvir um "Professor, tudo bom?! Olha, nunca me esquecerei daquelas aulas de direito penal! Legítima defesa, homicídio, lesões corporais, pena privativa de liberdade, progressão de regime! Dos seus exemplos, suas histórias... me ajudaram demais, foi útil à minha realização, minha aprovação no concurso!". Me sinto um pai após um dia de trabalho a ninar seu filho que foi à escola e dorme se preparando para um outro dia. Isso me instiga, tira meu ar, faz meu pulso bater. Acredito mesmo que nasci pra isso.

Já advogar me faz bem na alma. Mexe com muita coisa que eu tenho contido. Aliás, não só eu mas todos que se indignam diante de uma injustiça. Quer maior sacanagem do que aquela que a China fez com o Tibet?! Quer maior injustiça do que a que fazem com os brasileiros que se levantam diuturnamente em relação ao peso tributário que são obrigados a suportar, quando na verdade poderiam usar esse dinheiro para o seu prazer?! Não falo nem da corrupção de parlamentares, de desvios de verbas públicas, de políticos que se apropriam de dinheiro que não lhes pertencem. O Brasil tem mudado e creio que bons ventos hão de soprar por aqui. Mas já perdi o sono por não suportar injustiças. Já passei noites em claro por ter de encontrar razoabilidade em defesas de acusados confessos. Sei o que se passa, ainda hoje, nos calabouços das delegacias de polícia. Já precisei resolver em um dia de plenário no Tribunal do Júri uma injustiça que se arrastou por mais de quatro anos entre oitivas e audiências onde não se achava o acusado mas que, pela necessidade de dar uma resposta tão irresponsável quanto inconsequente, o crime precisava de um culpado. A expressão "bucha de canhão" tem origem na humilhante identificação para aqueles que, defendendo a pátria (que os oprimia!), morriam aos milhares no campo de batalha. Aquele processo precisava de uma bucha de canhão, mas não teve. E nem terá, pelo menos enquanto eu puder com as minhas tão frágeis forças equilibrar essa balança, e tiver vez e voz. Só de escrever isso já começo a sentir o sangue ferver. Isso muitos dias foi e ainda há de ser meu alimento. Chego a perder o apetite, mas ganho em sonhos. E, melhor, em sonhos realizados.

Ou seja, escrevo por prazer de escrever e me derramar nesse espaço. Como falei no início, todos que dedicam parte do seu tempo a algum fim, se há nobreza nele, merecem os aplausos. A moça que se embeleza, o jardineiro, gente empenhada em fazer o bem. Fico feliz porque existem pessoas que me provocam a escrever e elas são tão importantes! Tão importantes que merecem ser lembradas. Obrigado por cobrarem, quase que em tom de exigência. Somos bons quando somos provocados. E melhores ainda quando deixamos uma parte de nós por onde andamos, e do meu corpo já tem boa parte por aqui.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Uma garrafa jogada ao mar

Tenho experimentado coisas impressionantes na vida e da vida. Nessas quase três décadas provei do mel e do fel daqui. Hoje, mais do que nunca, sei que a direção é mais importante que a velocidade. Essa é minha religião, sou adepto de tudo que me provoca questionamentos, aprendo mais com as perguntas do que propriamente com as respostas que me dão e - principalmente - que me dou.

Conheci alguém especial, capaz de aumentar o meu fôlego (e tira-lo também!), de me fazer bobo no melhor sentido que ser bobo pode assumir. Queria diante disso desacelerar a vida, diminuir a velocidade para aumentar a intensidade, para assim degustar disso em boas e pequenas doses homeopáticas. Eternizei em uma semana aquilo que eu quero que seja alimento por muito tempo e espero lembrar de coisas que me tragam esperança. Bacana isso não?! Veja que não há pecado em querer eternizar essas coisas! Se, por si só, elas forem para sempre, é como ter lembranças do que se vive a todo instante. Que briga boa contra o tempo! O que é a esperança, senão aquela lembrança de que tudo dará certo?

Já ouvi pessoas mais velhas dizerem que antigamente se vivia mais intensamente, justamente porque se vivia um dia de cada vez, uma coisa de cada vez. Acho que esse é o mal que fazemos a nós mesmos: querer viver tudo de uma só vez, como a sede que devora um copo cheio d'água em um gole só. Perde-se o vagar descompassado, o olhar profundo e hermético, perde-se o afeto, o carinho, a família, a benção, painho, a benção, mainha. Perde-se o respeito aos mais velhos, perde-se oração, novos inícios, novas e boas experiências. Como tão boas experiências desperdiçamos! Quantos amigos deixamos de fazer por falta de gentileza, e quanto bem deixamos de fazer a nós mesmos quando estamos constantemente insaciáveis. Outro dia deixei uma pessoa passar à frente numa fila e ganhei um sorriso. Quer recompensa melhor?! Dei uma coisa tão irrisória e recebi em troca umas das melhores coisas que alguém pode dar a outra pessoa!

Sei que despedidas não combinam com a esperança e a certeza que se inicia. É como dar adeus ao sol da primeira alvorada, isso não irá conter a sua fúria de nascer, ele vem e cresce e ganha força, tão quanto natural é o amor. E se o amor não estiver na pureza e na grandeza das coisas simples, não estará em lugar mais algum. Ele vem quando menos se espera e pega você desprevinido. Vem pelos cantos, sem carro do ano, sem anel dourado, cheio de mistérios. Com uma rosa na mão, a crescer o quanto tiver! Vai, voa porque tem que voar, tomar os ares! Deixa um gosto doce, recordações amáveis, surpresas no caminho.

E, se perguntam pelo futuro, respondo da mesma forma. O amor é um gigante adormecido, que só é acordado aos poucos, lentamente e se ergue calma e serenamente. Não queira gritar para acorda-lo, não adianta. Dê mais de si e requeira menos dos outros e, quando menos se espera, o gigante está de pé, firme, forte, grande, imponente. Atravessa o Atlântico e de lá acena. Ele vai, e essa história desafia qualquer lógica. E a distância desafia o amor, e eu desafio a distância. Não conheço nada capaz de deter a força desse gigante.